quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Uma boa leitura

O PRAZER QUE A LEITURA DE TEXTOS LITERÁRIOS PODE NOS PROPORCIONAR
Rosana Muniz Soares (UERJ)

A IMPORTÂNCIA DOS PAIS E DO AMBIENTE FAMILIAR NA FORMAÇÃO DO LEITOR
Considera-se valioso o aprender a ler de “todos” de uma reação para que se possa transformá-la.
Politicamente, esta idéia não é bem aceita pelos governadores desde país, pois ainda se tem a idéia excludente de que somente uma pequena parcela da sociedade – a elite – detém o saber e conseqüentemente, o poder. Então para que formar cidadãos conhecedores, cultos?
Esta problemática perpassa pela história brasileira desde que ela existe.
Contudo, é preciso que se pense em questões que venham minimizar quiçá, equacionar futuramente este fato. Os pais e o ambiente familiar têm papéis importantes na formação do leitor.
Julga-se relevante que os pais devam ter uma preocupação com a formação literária de seus filhos.
É importante que os pais estimulem a leitura das mais variadas formas, sem que haja um momento com hora marcada, caso isto se concretize poderá ocorrer uma obrigatoriedade e não um desejo de leitura por parte de seu filho.
A literatura infantil é importante na vida de todos, desde cedo, pois
sua função básica é de estimular na criança todas as potencialidades latentes em seu ser:despertar em seu espírito uma série de valores (morais); atuar sobre a sua potencialidade psíquica, despertando e desenvolvendo seus dotes de imaginação e gosto artístico, oferecer alimento fecundo a sua imaginação, preparando-a para o conhecimento da realidade circundante e desenvolver sua capacidade expressiva[1].
Encaminhando assim, o leitor para o prazer literário.
Os pais precisam atuar mais na vida literária de seus filhos, devem ser incentivadores nesta difícil mas bela tarefa do estimular a leitura de textos literários. Os pais devem ser “parceiros neste processo”,[2] propiciando aos seus filhos, momentos de leitura sempre que possível.Eles podem: ler livros de literatura infantil à noite, antes dos filhos dormirem; pedir que os filhos escolham alguma história para que lhes contem; pedir que as crianças inventem histórias (oralmente), a partir das que já conhecem; ler junto com seus filhos, a mesma história, dividindo páginas ou capítulos; etc.O importante é que a leitura provoque vôos imaginativos.
A família que tem por costume ler, comprar livros, conversar sobre o que lê favorecerá ao possível desejo literário dos componentes da mesma.
Mesmo em ambientes menos favorecidos economicamente, quando a leitura é uma tônica cultural é possível se conquistar.
Entretanto, pode-se levantar um questionamento a partir das afirmativas anteriores: como incentivar esta prática se a “família não tem relação de intimidade e de prazer com a leitura?”.[3]
Constata-se que “o leitor pode ser formado em qualquer período de sua existência”[4], se for na infância, melhor, mas caso não aconteça o professor, como veremos mais adiante, tem o papel de estimular a prática literária.
Quanto maior estímulo cultural a criança obtiver, mais potencialidades ela pode exteriorizar, ampliando assim, suas chances de se encontrar e se realizar enquanto indivíduo.
Portanto, é necessário que o ambiente onde a criança viva, seja iniciador de uma prática literária, e provocador do prazer, da imaginação e da criação.

A RELEVÂNCIA DO PAPEL DO PROFESSOR COMO ESTIMULADOR DO PRAZER LITERÁRIO
O professor, iniciando, ou dando continuidade ao processo de leiturização dos seus alunos, tem uma real responsabilidade nesta aprendizagem. Ele cada vez mais tem de se conscientizar disto e pôr em prática estratégias variadas de leitura, para que os seus aprendizes consigam interiorizar o prazer que o texto proporciona e incorporem em suas vidas estes ensinamentos.
Para que haja a leitura propriamente dita, a da palavra, é preciso que a “leitura do mundo”[5] do aluno seja explorada e valorizada para que ele se sinta mais seguro.
Através das vivências do próprio leitor aumentará sua capacidade de criar símbolos, favorecendo assim o deciframento dos mesmos ao ler.
Acredita-se que a leitura deva ocorrer numa situação onde a experiência do leitor esteja em foco, contextualizando-o e que isto seja uma prática com estratégias variadas. Julga-se também que o “aprendizado da leitura passa por três eixos principais, a saber, 1º- a dependência de indicadores extratextuais; 2º- a dependência de indicadores textuais (portador, formato, organização, tipos de ilustração, pontuação, palavras que se repetem, título, etc.); 3º- decifrado”.[6]
Sem medo de radicalismos: “tradicionalismo”[7] ou “construtivismo”[8] acentuados, o professor deve operacionalizar com os três eixos supracitados.O primeiro é resultado natural da inteligência do sujeito em ação; o terceiro é fruto do ensino escolar.O segundo é tributário dos avanços psicolingüísticos e sociolingüísticos; assim o sujeito em ação obterá resultados mais favoráveis.
O importante na leitura é o leitor em ação interando-se do texto, e este mesmo texto levando-o a outros pensamentos, reportando-o a outros acontecimentos, ajudando-o a resolver situações concretas ou abstratas; é o texto lhe dando prazer.
Para que a criança desenvolva o gosto e a prática literária é preciso que ela seja muito estimulada, como já vimos anteriormente. O professor exerce um papel fundamental nisto.
Essa afirmativa é ressaltada por Fanny Abramovich:
Ler é um prazer. É uma gostosura. Mas para o aluno ser um apaixonado pela leitura, é preciso que o professor também seja. Para poder passar essa sensação de entrar no mundo através do imaginário, do fantástico, da brincadeira, da plenitude. O professor que lê com prazer, com volúpia, com garra, com curiosidade atiçada, com entusiasmo vibrante, terá alunos que também serão grandes leitores. Melhor para todos. [9]
O professor tem a função de mediador no momento de leitura ocorrido em sala de aula. Ele pode incentivar os seus alunos a lerem: os seus desenhos, suas próprias histórias e as de seus colegas, os livros da biblioteca da classe, as obras que forem indicadas, livros trocados em sala pelos alunos, assistindo a um filme/desenho, etc.
Convive-se com o paradoxo: a literatura é útil ou inútil na vida do ser humano?Segundo Barthes, “é a própria inutilidade do texto que é útil”[10], portanto, utiliza-se o prazer do texto através de sua inutilidade, pois quanto maior o número de textos literários lidos, o leitor estimula mais sua imaginação, viaja por caminhos nunca viajados, desperta por soluções não pensadas ainda, redescobre-se, reafirma-se, conhecendo-se.
Piaget nos ensinou que o homem não tem um comportamento inato como, também, suas atitudes não são resultados de condicionamentos. O homem na verdade, apresenta um comportamento construído por ele próprio ao interagir com o meio em que vive.
A partir desta afirmativa, o professor que tem a função de favorecer o desenvolvimento da criança, deve oportunizar em sua sala de aula, situações em que o aluno possa exercitar-se como ser social capaz de utilizar diferentes linguagens para se comunicar e resolver problemas.
O leitor dialoga com o texto e com o autor do mesmo ao lê-lo. Ele em seu pensamento coloca seu saber, sua visão no momento de leitura, questionando, concordando, sofrendo, alegrando-se muitas vezes com o texto, isto é salutar no processo de leiturização.
O autor é aquele que brinca com as palavras; o texto pode ter interpretações imprevisíveis; o leitor a proporção que lê, se constitui, se identifica.
Cada leitor é capaz de elaborar um sentido ao texto, ele compreende de acordo com suas vivências, oportunizando assim a criação de um novo texto, e como o pensamento, que não é puro e nem é acabado, é o texto.

AS TRANSFORMAÇÕES POSITIVAS QUE OS TEXTOS LITERÁRIOS PROPORCIONAM AO LEITOR
Ao texto pode-se atribuir o sentido material ou imaginário. O leitor pode percebê-lo como uma espécie de escritura somente, pode reduzi-lo ao plano comum, onde o prazer é altamente enganado, substituído, esquecido por simplificações, explicações banais ou ele pode ser algo a se contemplar, a ser sentido, imaginado, renovado ao encontro do indivíduo; incutindo-lhe o prazer.
Somente a leitura de prazer pode levar o indivíduo à crítica. E através da crítica as modificações, sejam internas ou externas, acontecem.
Ouve-se muito falar em Cidadania, no entanto, urge que o Sistema Educacional Brasileiro se modifique realmente em prol da Educação, que as Leis Educacionais priorizem o ensino de qualidade, viabilize estruturalmente uma educação para todos, numa sociedade igualitária, onde as pessoas tenham igualdade de chance, e o saber seja oportunizado e distribuído para que não só a elite seja governante do país, mas sim, todos aqueles que mostrarem competência para administrá-lo, assim se estará pensando no cidadão.
Para Orlandi,
A educação é uma via eficaz para a formação da consciência crítica. Através da leitura se tem acesso ao saber, e pelo domínio do saber pode-se explicitar os mecanismos do funcionamento da sociedade. Duas coisas acontecem: aumenta a autoridade do Estado, mas, ao mesmo tempo, se cria a possibilidade da consciência crítica. [11]
O leitor vai se formando no decorrer de sua existência, em suas experiências de interação com o universo natural, cultural e social em que vive. “A leitura é um ato cultural em seu sentido amplo, que não se esgota na educação formal. Deve-se considerar a relação entre o leitor e o conhecimento, assim como a sua reflexão sobre o mundo”.[12]
Percebe-se a necessidade de se questionar a importância do conhecimento legítimo, pois ele não é acabado. Ele é um fazer contínuo, onde o sujeito do ato em questão interage com o objeto a ser conhecido. E essas transformações entre sujeito e objeto são permanentes na busca do conhecimento. O autor Vigotsky deixa isto muito claro em seus estudos sobre a “zona de desenvolvimento proximal”[13], pois o sujeito (ser pensante) interage com o objeto (algo a conhecer) transformando-se, ampliando e modificando o seu saber.
Ler precisa ser uma prática na vida do ser humano para que ele possa expressar seus sentimentos, suas dúvidas, refletir sobre os acontecimentos gerais e ter uma postura de vida mais saudável e crítica.
Considera-se o prazer do texto como um prazer intelectual, que bem desenvolvido leva o leitor ao autoconhecimento.
É lendo que nos tornamos leitores, nos informamos e formamos ao mesmo tempo, tornamo-nos cidadãos, refletindo, agindo e modificando nossa vida pessoal e a sociedade, buscamos nosso aperfeiçoamento, em prol de nossa melhor qualidade de vida.
 


[1] COELHO, Nelly N.O Ensino da Literatura.Rio de Janeiro:J. Olímpio, 1975, p. 166.
[2] JOLIBERT, Josette.Formando Crianças Leitoras.Porto Alegre:Artes Médicas, 1994, p. 129.
[3] GUEDES, Cilene.Leitura.Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 25 abr. 1999, p. 1.
[4] MERANI, Alberto L.Natureza Humana e Educação.Trad. por Helena L. Santos.Lisboa:Editorial Notícias, 1978,p. 55.
[5] “A leitura do mundo precede a leitura da palavra, daí que a posterior leitura desta não possa prescindir da continuidade da leitura daquele.Linguagem e realidade se prendem dinamicamente, a compreensão do texto a ser alcançada por sua leitura crítica implica a percepção das relações entre o texto e o contexto”. FREIRE, Paulo.A importância do Ato de Ler. São Paulo:Cortez, 1983,p. 11-2.
[6] GROSSI , Esther P. & BORDIN, Jussara.Construtivismo Pós-Piagetiano:Um novo paradigma sobre aprendizagem. Rio de Janeiro:Vozes, 1993, p. 178.
[7] Tradicionalismo:a escola tradicional trabalhava apenas em volta do terceiro eixo.Idem, p. 178.
[8] Construtivismo:as propostas progressistas tendem a supradimensionar o primeiro eixo.Idem, p. 178.
[9] ABRAMOVICH, Fanny.Formato.Catálogo Infantil.Rio de Janeiro, 1999.
[10] BARTHES, Roland.O Prazer do Texto.São Paulo:Perspectiva, 1996, p. 34.
[11] ORLANDI, Eni P.Discurso e Leitura. São Paulo:Cortez, 1996, p. 209.
[12] Idem, p. 210.
[13] VIGOTSKY, L. S.Pensamento e Linguagem.Trad. Jeferson Luis Camargo.São Paulo:Martins Fontes, 1993, p. 121.


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